castelos na sombra



Isolado num quarto de hotel na fria Alemanha, depois de terminada uma tournée com a sua banda punk/gospel, George Lewis Jr. produz aqueles que viriam a ser os futuros temas de "Forget". Munido de laptop e drum-machine, sob influência da trilogia berlinense de David Bowie, o alter-ego Twin Shadow emerge. Da solarenga Florida para Brooklyn, George Lewis Jr. conhece Chris Taylor (Grizzly Bear) que viria a propôr-lhe a produção e edição de "Forget" estreando desse modo o selo editorial Terrible Records.
A transpirar revivalismo instrumental, numa viagem temporal rumo aos anos 80 via "new wave", o despretensioso "Forget" situa-se no meio da pop mais pastilha-elástica duns Duran Duran ou Soft Cell e do electro mais negro duns Depeche Mode. A voz remete-nos harmonicamente para o estilo inconfundível de Bowie repousando num intrumental servido por vários sintetizadores (strings, orgão, piano e metais). As melodias duma doçura complexa do baixo contrastam com alguma aspereza da guitarra eléctrica, elemento mais rock do álbum. Apesar do título explicitamente apelar ao "seguir em frente", implicitamente a antítese não poderia ser maior. I forgive but don't forget.
"Forget" é walkmanesco. Um óptimo álbum para ouvir no aconchego do sofá enquanto chove lá fora.

logo. martim moniz.

logo. museu da música.

"para trás já não se vê nada"


A Rosário nasceu no Vale da Couda dia 18 de Julho de 1923. Ainda habita na casa onde cresceu com os pais e os seis irmãos. Quatro raparigas e dois rapazes.
Sempre a conheci, desde que nasci, como vizinha e melhor amiga da minha bisavó Deolinda. "Avó Linda" para os mais chegados. Hoje é uma das últimas resistentes duma aldeia em tempos cheia de vida. Nunca casou nem teve filhos. Nunca partiu para Lisboa ou França. Nunca deixou que ninguém lhe ocupasse a casa de família. Mesmo quando essa família passou a ser só ela.
Como companhia preferiu sempre os cães. Teve vários, um de cada vez e sempre com o mesmo nome... "Carriço". Por estar habituada, por ser mais fácil de decorar. É um cão fiel, que ladra a quem não conhece que tente entrar em casa da dona. Enquanto não percebe um reconhecimento dela em relação ao intruso, deixa-se ficar aos seus pés. Para a proteger. Quando ela anda a passear, ele vai sempre à frente para a avisar em caso de perigos. É um cão doce. Fiel. Ela diz que ele não tinha hipótese de sobrevivência numa grande selva urbana. E desconfia também das suas próprias hipóteses num ambiente citadino. De momento tem também dois gatos que um dia por lá apareceram e foram ficando.
Das dezenas de cabras que pastava só lhe restam duas. Brancas com seis anos de idade. Todas as manhãs, "pela fresca", passeia-as pela serra para se alimentarem. Adoram figos e folhas verdes. Segue religiosamente a rota de sempre, desde sempre. É a rotina dela. Ao voltar a casa antes de almoço, ordenha as cabras e com o leite, coalhado com os cardos que vai apanhando ao longo da manhã, faz um queijo. Divinal. Único. Maravilhoso. Um queijo que é um dos objectivos do seu dia. Das suas semanas, meses e anos seguidos de trabalho. Sem folgas ou férias. É o seu trabalho e a sua ocupação. Diz que não sabe fazer mais nada. Que fez isto a vida toda.
Tem uma horta na parte de trás da casa onde trata das batatas, dos pimentos, das hortaliças, das alfaces. Em tempos fazia broa e pão. Criava coelhos, galinhas e porcos. Agora já não consegue. De noite espanta os javalis agarrada ao terço com a cruz a bater numa velha cafeteira de inox. O Carriço corre junto ao muro a ladrar.
Nunca provou cerveja. Bebe um copito de tinto (ou agua-pé) por dia. A acompanhar uma das refeições.
Custa-lhe reconhecer-me. Confunde-me com o meu pai. Desde há uns dez anos para cá. Porque tenho lá ido com menos frequência. Só ao fim dum par de horas começa a lembrar-se de mim. A memória está mais lenta. Mas ainda está lá tudo guardado.
Destas últimas vezes tem-me custado ainda mais despedir-me dela. Porque fico com a sensação que é a última vez que detenho o meu olhar naqueles olhos azuis claros e inocentes que nos confortam. Como o céu. E porque ela é a última pessoa que dá vida àquela rua cheia de boas recordações que guardo com carinho dentro de mim. E, por isso, sempre que lá volto fico feliz por saber que ela lá continua. Naquela rotina. Se a terra é de quem a trabalha, então toda aquela terra é dela.
Obrigado por tudo, Rosário. Para o ano lá estaremos todos juntos. Outra vez.

fuga sem prelúdio.

logo. ccb.

a música é uma arma

portugal vs. brasil



da alma.

love song to nyc


play


"A música oferece às paixões o meio de obter prazer delas"
Nietzsche

casa



Toda a gente ouve música consoante o seu estado de espírito. Ou escolhe o disco a ouvir conforme se quiser sentir. Eu não sou excepção. Porém na minha colecção há um certo tipo de discos que me fazem sentir duma maneira diferente. São especiais mas nem por isso melhores ou piores que os outros.
Um dos maiores prazeres que a música me oferece, e um dos primeiros que eu nela procuro, é a sensação de redescoberta. Gosto de ouvir um disco que ficou silenciado durante alguns tempos e voltar a dar-lhe atenção. Hoje o escolhido foi do Dave Holland Quintet "Prime Directive". É um disco maior na imensa discografia de um dos meus contrabaixistas favoritos de todos os tempos e do jazz em particular. Lembro-me de o ouvir muitas vezes quando saiu há mais de dez anos atrás. Lembro-me que foi o primeiro disco do Dave Holland que comprei. E um dos primeiros com o selo da ECM na minha estante. É uma gravação impecável que reúne excelentes intérpretes (Chris Potter no saxofone é fabuloso; Steve Nelson nos vibes e na marimba que aqui substituem o piano normal numa formação de jazz acrescenta um tom exótico e diferente; Billy Kilson na bateria enche os temas de groove e muito bom funk; Robin Eubanks no trombone dialoga muito bem com o saxofone de Potter; Dave Holland está ao seu melhor nível).
Hoje, chegado a casa e ao fim de mais um dia de trabalho, pus este disco a tocar. Foi como que um regresso a casa há muito esperado. Escolhi por impulso e na volta recebi um abraço quente e acolhedor saído das colunas.
Deitei-me no sofá de olhos fechados e deixei-me embalar até adormecer.

Ouvir aqui.

amanhã. coliseu.


I Need That Record!


hoje. aula magna.


arts & crafts on a sunny sunday




free-prog-indie-post-jazz


Portico Quartet é um produto da Londres do século XXI. Passaram ontem pelo lindíssimo Teatro São Luiz para apresentar o seu mais recente álbum "Isla". Segundo registo que veio, de novo e depois de "Knee-Deep In The North Sea", refrescar e desbravar novos caminhos na cena jazz mundial. Este jovem quarteto inglês apresentou-se no seu formato tradicional com bateria, contrabaixo, saxofone e a particularidade original da utilização de três hang-drums, instrumento de percussão similar ao steel-drum característico da música tradicional caribenha, que constrói uma base harmónica atraente que aquece e encorpa cada um dos temas. As melodias ficam entregues aos saxofones de Jack Wyllie que utiliza um tom agridoce, ao melhor estilo de Mark Turner e à corrente mais free de Nova Iorque. A secção rítmica, constituída por Duncan Bellamy na bateria e Milo Fitzpatrick no contrabaixo, hipnotiza-nos com a apropriação jazzística de ritmos tão diversos como a valsa e o reggae criando momentos de tensão, à base de muita contenção. Não sendo intérpretes de excepcional qualidade possuem uma criatividade que os leva a usar vários pedais de efeitos e electrónica diversa nos seus instrumentos, excluindo o hang drum. Este grupo pega no legado do Esbjorn Svensson Trio e leva-o a paragens por onde também se situa Todd Sickafoose. Levam o espírito indie ao jazz e as estruturas do jazz ao indie.

separados à nascença



black & white


godDilla


James Yancey, conhecido no mundo do hiphop por J Dilla ou Jay Dee, faleceu em 2006. Os beats por ele produzidos continuam a ser usados por vários MC's para rimar por cima. Ele foi e sempre será, de longe, o meu produtor favorito de instrumentais hiphop. Pelo cuidado que tinha em tratar todos os sons, fossem samples ou baterias. Pela criatividade e imaginação que punha em todas as faixas. Pelo passo à frente que representavam as suas novas produções. Foi um artista sempre preocupado em evoluir, em crescer, em desenvolver a sua técnica. Foi único e continua a soar fresco, todos os dias. Na minha humilde opinião, ele foi para o rap aquilo que décadas antes Lee "Scratch" Perry tinha sido para o reggae/dub. Um verdadeiro revolucionário que fez da mesa de mistura a sua arma.
Por ocasião do 6º aniversário da sua morte, a Stussy resolveu produzir um documentário como homenagem a este verdadeiro mestre do beat-making. Aqui vai ele, para quem tem curiosidade e um pouco de tempo. Espero que gostem!
Long Live the D.